As pessoas não sabem
que não sabem o que querem, parece complicado? Não é e elas demoram a entender
isso. Esse parece ser o problema, se soubessem não ficariam frustradas com as
decepções ou então simplesmente parariam de buscar. O tempo não faz com que
saibamos o que queremos, apenas nos permite entender que não sabemos, e aí
percebemos que a felicidade pode ser mais fácil que parece, que a dificuldade não
está em achar um fruto especial que nos satisfaça, mas em aprender a se
satisfazer com o fruto que conseguirmos pegar, mesmo porque, de verdade, todos
os frutos são iguais e todos são igualmente especiais.
Sim, estou falando
de relacionamento afetivo, de amor, de dar e receber, de oferecer o que se tem e
de tomar o que é necessário. Dar e receber atenção, amor, cumplicidade, elogio,
mesmo crítica, mas são necessários os dois para que o relacionamento dure. Se
só damos, acabamos vazios, e vazios não despertamos o interesse de ninguém. Se
só recebemos, deixamos o outro vazio, e vazio nós não o queremos mais. É
preciso dar e receber, mantendo sempre um mistério, escondendo um pouco o jogo,
guardando algo para nós mesmos. É isso que alimenta o jogo do amor, que faz uma
relação duradoura.
Rosa gostava de rosas,
vermelhas, brancas e amarelas, ela gostava sempre. Gostava de ser fotografada
junto de rosas, acolhendo as flores com as mãos com o rosto inclinado, tocando
delicadamente as flores. O sol batia em seus olhos azuis e seus cabelos
fortemente tingidos de loiro, secos de tanta tintura, encostavam-se às rosas.
Mas ela não podia comprar um ramalhete, então ia à feira e pedia um broto ao
vendedor, lá pelo meio-dia, quando as barracas já estavam sendo desmontadas. Se
ela tivesse um cantinho de terra em casa, ela plantaria a flor, dentro de sua
casa, por sua vez, dois cômodos no fundo de um comércio no centro, espremidos
por dois prédios, não entrava luz suficiente para alimentar seus vasos.
Rosa sonhava que um
dia um homem, um homem maduro, um homem alto, de barba crescida, mas bem aparada,
um homem cheiroso, de calça social e camisa branca, limpinha, de sapatos pretos
e brilhantes, um homem elegante um dia lhe daria um ramalhete de flores, rosas
vermelhas, molhadas e novas. Ela abraçaria o ramalhete com cuidado, deixaria o
homem entrar em sua casa, fecharia a porta e o receberia para jantar. Ela faria
uma comida gostosa, caseira, simples, mas bem temperada, feijão novo, arroz no
ponto, frango com molho de tomate bem quentinho e uma salada de alface e
cebolas.
Enquanto ele se
sentasse à mesa, ela poria as rosas num vaso, e quando ele fizesse a refeição,
contando com orgulho seu dia, pondo-se sempre como o herói, o vencedor, como o
homem, ela o ouviria com afeto, orgulhosa de ter alguém só pra ela. Ele comeria
satisfeito enquanto ela olharia atrás dele, sobre a cristaleira, as rosas,
vivas com as pontas dos galhos dentro de água limpa para manter a beleza o
máximo de tempo possível.
Rosa tinha sido
arrancada cedo demais da terra, e depois disso nem a colocaram num vaso com
água, assim ela envelheceu cedo. Mas ela sonhava, em conhecer o filho que não
viu crescer, que teve daquele estúpido que ela um dia achou ser um cavalheiro.
Rosa saiu de sua cidade, deixando pra trás os pais, a criança e a ilusão. Na
cidade em que chegou, por algum tempo trabalhou no comércio, mas sozinha e
carente acabou cedendo ao mal. Nem era por causa do dinheiro a mais, era
solidão, solidão que ela curava com o prazer egoísta do outro, não dela, não
mais.
Ela nunca tinha ido
às ruas, não, isso não, mas conhecia os homens nas praças, sentava-se lá num
banco e sempre aparecia alguém, alguém com um papo torto, alguém que queria
mais que conversa. Ela era seletiva, não ia com qualquer um, e a princípio nem
pedia dinheiro, mas eles mesmos foram pagando, deixando algumas notas na
penteadeira. Com o tempo eles voltavam, homens mais velhos, a maioria bem mais
velhos que ela, homens que não pegariam mulheres na avenida, mas que viam nela,
não uma prostituta, mas uma amiga.
Ela era de alguns,
e não era de ninguém, mas brincava que era, já que ela os via como sendo um só,
mudavam-se os gostos, os cheiros, as roupas, mas na cabeça dela era um só
homem, todos juntos formavam o homem especial que um dia lhe traria rosas,
rosas que esses homens não compravam pra ela. Ela já tinha visto no banco
traseiro do carro de um deles um ramalhete, mas ele tinha comprado para dar à
esposa, quando chegasse em casa, para justificar o atraso que tinha acontecido
pelo fato dele ter ficado com Rosa.
Eu a conheci na
praça, numa tarde de domingo. Não encontrei um banco vazio e dividi um com ela,
não flertei, e ela não me viu como um amante, apenas como um amigo. Sempre que
nos encontrávamos ela tinha algo pra contar sobre sua infância, o passado a
interessava mais que o presente. Esta é uma das histórias que ouvi dela naquele
domingo seguinte à quinta-feira que conhecia Juliana e Reinaldo.
- Era uma moça
bonita, loira, de pele clara, como um anjo – disse-me Rosa.
- Era de sua cidade
natal? – perguntei.
- Sim, Clara era o
nome dela. De uma família rica, seu pai e seus tios tinham comércio na cidade,
pequenas fábricas e confecções, ela era a única filha nascida depois de três filhos
homens. Muito protegida, mas não mimada, nós a víamos nas missas. As meninas a
invejavam, suas roupas, seus sapatos, comprados em São Paulo. A família dela já
tinha viajado até para o exterior, naquele tempo só os ricos faziam isso.
- Você conversava
com ela?
- Fizemos a
primeira comunhão juntas, ela era muito atenciosa, e inteligente, conhecia todo
o catecismo. No dia da cerimônia ela estava linda, mais do que todas, seus
olhos verdes combinavam com seus cabelos dourados, eu me sentia horrorosa perto
dela. As pessoas sempre elogiaram meus olhos azuis, mas eles não combina com
meus cabelos negros.
- Você tem cabelos
pretos?
- Tenho, ficaram
brancos quando eu tinha vinte e poucos anos, então comecei a tingi-los de
loiro, iguais aos de Clara.
Enquanto falava,
seus olhos desapareciam no céu, iam para longe, além daquela praça, da cidade,
das nuvens. Sua voz aguda e rouca, com uma energia que não combinava com o
sofrimento do seu rosto, era a de uma contadora de histórias embalando um bebê
em seu sono. Eu via o que ela via, sentia o que ela sentia, lembrava-me de
minha mãe. Rosa tinha quase cinquenta anos naquele tempo, tinha um corpo
bonito, era meiga e atenciosa.
- Clara era alta,
magra, o vestido da primeira comunhão caia bem nela, o meu era sem graça,
sobrava nas pernas, faltava nos braços, nem tinha sido feito pra mim, minha irmã
já tinha usado, era fora de moda. Quando Clara se ajoelhou para receber a
hóstia um raio de sol, vindo de um vitral superior da nave atravessou o templo
e resplandeceu seu rosto. Ela nãon era real, não pertencia ao nosso mundo, era
uma santa. Os meninos ficaram de boca aberta, todos eram apaixonados por elas,
ricos, pobres, herdeiros e empregados, mas tinha um, Vitor, diziam que era o
prometido pra ela.
- Era rico?
- Sim, filho de
fazendeiro, o pai dele tinha plantação de café, naquele tempo era negócio que
dava dinheiro. Clara e Vitor não estudavam na cidade, iam e voltavam todos os
dias para uma cidade grande próxima, onde havia um externato de freiras. Haviam
crescido juntos, mas ele não ia muito às missas, diziam que o pai dele era
maçom, que tinha pacto com o diabo.
- É a crendice
popular sobre maçonaria, sei lá até que ponto é verdade.
- Mas naquele dia,
o da primeira comunhão, ele estava lá na igreja. Na saída eu e as meninas os vimos
entrando no carro do pai dela, eles e Antonio amigo de Vitor, até motorista
particular tinham. Depois da cerimônia houve um almoço, só para a granfinada da
cidade, mataram boi e tudo.
Ela parou por um
momento e tirou da pequena bolsa que apertava entre as mãos o maço, separou um
cigarro e pegou com a outra mão a caixa de fósforos. Eu fiz a gentileza de
tomar a caixa, pegar um palito, riscar e acender o cigarro pra ela. Ela não
ficava bem fumando, se é que alguém fica, mas algumas mulheres parecem
poderosas segurando o cigarro, ela ficava enfraquecida. Deu uma primeira
baforada e continuou contando a história.
- Ela terminou de
fazer o normal, como chamávamos naquele tempo o segundo grau, e já noivou.
Todos esperavam ansiosos pelo casamento.
- Com o Vitor?
- Sim. Vitor era um
rapaz bonito, de pele clara, como ela, cabelos bem lisos, quase loiros, mas olhos
escuros. Não era alto, Clara parecia mais alta que ele. Vitor não se desgrudava
de Antonio, um garoto franzino, com quase vinte anos ainda não tinha barba na
cara. Esse também era filho de fazendeiro, estudava no externato junto com Clara
e Vitor.
- O casamento deve
ter sido uma festa e tanto.
- Teria sido, se
houvesse acontecido.
- Como assim?
- No dia da
cerimônia a igreja estava linda, eu e minhas amigas vimos de fora ela toda
decorada, rosas brancas pelo corredor, tudo muito lindo. Somente os convidados
puderam entrar, mas a gente ficou na praça assistindo os ricaços chegarem com
seus carros importados. Clara não se atrasou, sete horas da noite, seu carro já
estava na porta da igreja. Num determinado momento ela abriu o vidro e eu a vi,
cabelos presos num coque, com um véu pequeno, nada exagerado. O vestido deixava
os ombros aparecerem, não era mais uma menina, mas uma mulher maravilhosa,
completa, como eu a invejei naquele momento.
- E aí, o que
aconteceu?
- Vitor ainda não
havia chegado. Passou-se meia hora e nada. Foram procurá-lo e não achara. Uma
hora e meia e Clara ainda estava dentro do carro esperando. Eram oito horas da
noite quando a mãe de Clara entrou no carro em prantos que saiu em disparada.
Eu e minha amigas nos aproximamos da porta lateral da igreja e ouvimos o irmão
mais velho da noiva fazendo a declaração: “tivemos um imprevisto, pedimos
desculpas a todos, mas o casamento não acontecerá”. Ele disse isso e desceu
correndo do altar, alguns ainda tentaram pará-lo fazendo-lhe perguntas, mas ele
não respondeu a ninguém saiu da igreja e foi embora.
- Mas o que é que
aconteceu?
- Nunca mais vi Clara,
o pai a mandou para a Europa, depois ficamos sabendo que ela foi para São Paulo
estudar. Ela fez direito, tornou-se advogada, mas as últimas notícias que tenho
dela é que ela está solteira até hoje. Acho que é assim que tem que acontecer
com uma santa, permanecer imaculada para sempre, virgem.
- Bem, se ela
permanece virgem, Deus é quem sabe, mas é Vitor, o que é que houve com ele?
- Só fiquei sabendo
disso há alguns anos, através de uma amiga que encontrei aqui na cidade. Sabe,
eu não tenho contato com meus pais, no início ainda nos comunicávamos por
carta, mas há muitos anos que nem isso eu faço.
- E o Vitor?
- Vitor e Antonio,
moram juntos até hoje, ambos fizeram arquitetura, também sumiram da cidade,
parece que foram para Brasília.
- Como assim moram
juntos?
- São gays, Vitor
foi honesto, mesmo que na última hora, não queria enganar Clara. Hoje, quando
lembro, percebo que eles eram diferentes, mais delicados, e sempre meio
distantes dos outros. Mas eles se amavam e pelo que sabemos estão juntos até
hoje.
Rosa, Clara e
Vitor, histórias diferentes de busca por amor, para livrar-se da solidão, essas
histórias representaram o segundo encontro que os homens da praça me disseram
que eu teria.
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Realmente as
pessoas não sabem o que querem, e mesmo o conhecimento disso, elas não têm.
Então procuram e procuram, acham e perdem, se encantam por ilusões, pelo que os
outros dizem que é o melhor pra elas. Mas quem mais as engana é o coração, ele
sabe que precisa amar alguém, nisso ele é honesto, contudo, satisfaz-se com
mentiras, com partes de alguém que só gosta de partes dele.
Talvez todos se
sintam dentro de um filme, esperando que os obstáculos de uma grande aventura
épica tenha um final surpreendente e feliz, a vida, porém, não é filme. Vejo
isso lá no Grande Hotel onde toco, mesmo que o ambiente lembre-me um filme dos
anos 1950, a fantasia de um mundo encantado encerra-se ao final de um jantar, de
uma garrafa de vinho caro.
Mesmo um culto
abençoado de domingo tem seu fim, chegamos em casa cansados, dormimos, e
acordamos na segunda-feira de manhã para mais uma semana. É assim porque somos
carne e alma, limitadas para conter e manter a bênção inefável de Deus. Por
isso a procura deve ser constante, não para satisfazer a carne e a alma, essas
sempre se sentiram insatisfeitas, mas para alimentar o espírito. Esse alimento
só existe em Deus, mediante Jesus, e pelo Espírito Santo, é somente a comunhão
dia-a-dia com Deus que dá à vida encarnada alguma satisfação.
Podemos dizer:
estou muito cansado, meu corpo, minha mente, meu coração não têm mais forças,
contudo, o milagre da comunhão com Deus ocorre justamente aí. As religiões e
filosofias usam as forças e o conhecimento humanos para se aproximar de um deus
que muitas vezes nem é o verdadeiro. Contudo, o que leva as pessoas a
encontrarem o Deus verdadeiro não é a boa intenção ou iniciativas humanas, mas
o amor de Deus.
É Deus quem nos
atrai e é ele quem nos dá condições de achá-lo. E nós não fazemos nada? Fazemos
sim, precisamos de uma fé inicial, não a maior do mundo, mas a mais sincera.
Ela é um passo que damos na direção de Deus para que ele então possa dar nove
em nossa.
Histórias de
decepções são vividas pelas pessoas, histórias que ocorrem porque Deus não é
buscado em primeiro lugar. Se ao invés de buscarem consolo nos bares, nas
bebidas, nas noites frenéticas à procura de dança e música, em drogas e no
sexo, perdendo-se para achar em gente perdida algum prazer que livre da
solidão, se ao invés disso orassem mais, tornassem-se mais íntimas de Deus, confiassem
no amigo Jesus, em sua atenção, em seu carinho, dores poderiam ser evitadas,
dores que são consequências de se tentar não sentir a maior de todas as dores,
a solidão.
Quando me refiro à
oração não me refiro a uma “reza”, a uma repetição de palavras, achando-se que
existe nisso alguma capacidade mística, mas oração feita com o coração através
do Espírito Santo. A verdadeira oração é revelada por Deus em nossos corações,
vem dele e volta pra ele, nessa oração há poder sobrenatural para vencer a
solidão. A oração espiritual de verdade às vezes nem é dita, é apenas
sussurrada, murmurada, pode ser mesmo incompreensível para outra pessoa, mas essa
é a mais sincera. Não que Deus não ouça outros tipos de oração, mesma a reza,
mas aquelas palavras originais e pessoais, exprimidas com toda a emoção e do
fundo da alma, representando toda a dor que um ser humano pode reter dentro de
si, e colocando-se em total dependência de Deus, essa é a oração que mais agrada
ao Senhor.
É impossível e
inútil buscar nas pessoas livramento da solidão, já que a verdadeira solidão só
Deus pode nos livrar, ela é espiritual, antes de afetiva. Só livres dessa
solidão espiritual é que podemos ter um relacionamento equilibrado com as outras
pessoas, e com as pessoas certas. Amizade, por mais verdadeira que seja, relacionamento
sexual, por mais completo que se realize, não podem nos dar aquilo que só Deus
dá. O segredo é antes de buscar no mundo e nos homens, e mesmo nos anjos caídos
e em suas sobrenaturalidades enganosas, buscar em Deus, e não sair de sua
presença enquanto não nos sentirmos plenamente em paz.
Assim nivelados,
conseguimos olhar para nós mesmos e para as outras pessoas da maneira certa,
com realismo, mas com esperança. Olhando antes para Deus e para o seu amor,
encontramos o verdadeiro amor de amigos sinceros e de um cônjuge íntegro. Esses
amores terrenos, apoiados pelo eterno amor de Deus, podem durar para sempre.
“Mas em todas essas coisas somos mais que
vencedores, por meio daquele que nos amou. Pois tenho certeza de que nem morte,
nem vida, nem anjos, nem autoridades celestiais, nem coisas do presente nem do
futuro, nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura
poderá nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.”
Romanos 8.37-39
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