Passava da
meia-noite quando acordei com batidas fortes na porta da sala, alguém gritava o
nome de Cíntia.
- Cíntia! Cíntia!
- Dani, o que você
está fazendo aqui? – Cíntia abriu a porta da sala e alguém entrou.
- Você sumiu –
disse a outra pessoa, era uma moça.
- Estou cuidando da
minha vida.
- Eu sei, com um
revólver.
- Como você sabe
disso, como me achou aqui?
- Sabia que você ia
fazer alguma bobagem quando vi o Giva te passando uma arma...
- Como assim?
- Então te segui no
sábado e te vi em cima do muro desta casa.
- Cai fora, deixa-me
cuidar da minha vida.
- Matando alguém?
- É preciso...
- Cara, isso é
mancada, você não vai conseguir se livrar disso fácil depois.
- Eu me viro...
- É, você se vira,
é o que você sempre diz, foi assim quando tentou enganar aquele muambeiro.
- Vai embora.
- Vem comigo.
- Ainda não acabei
aqui.
- Você já matou o
cara?
- Quem te falou
isso?
- A Jack.
- Linguaruda, foi
ela quem me levou àquele lugar.
- Aquele lugar é
fria, nada de bom acontece por lá.
- Eu preciso dar um
jeito na minha vida, Dani.
- Eliza?
- Preciso vê-la,
não posso viver longe dela.
- A gente arruma um
jeito.
- Que jeito? Não
temos dinheiro nem pra cigarro, não aguento mais essa vida, com ela tudo vai
melhorar.
- Com uma morte na
cabeça?
- Quero mais é que
eles morram – Cíntia chorava, berrava, andava de um lado para o outro na sala,
chutava os móveis. A tal da Daniela parecia ter alguma consciência.
- Se quer grana
leva esta TV aqui e vende, deve ter mais coisas na casa...
- Não vou roubar.
- Mas quer matar?
Para com isso, você está cheirada.
- Você sabe que eu
não transo isso.
- Vamos embora.
- O cara me
conhece, já viu meu rosto, e quer saber, foi ele quem contratou o serviço.
- Como assim?
- Ele quer morrer.
- Ele quer morrer?
Que idiota, vamos embora, se é isso, ele não vai dar parte de você.
- Comecei com isso
e vou até o fim.
- Vai mesmo? Quero
ver então, onde ele está?
- No quarto do
fundo – Daniela veio até o quarto e o destrancou.
- Sai daí cara – eu
a vi, mais baixinha que Cíntia, do tipo atarracada, mas com o mesmo corpo de
linhas retas, escondida atrás de um moletom enorme, eu não consegui ver o rosto
dela. Fui até a sala e fiquei, entre ela e Cíntia. Olhei para Cíntia, ela
estava transtornada.
- Agora você vai
morrer cara – ela abaixou o gorro, me encarou, seus olhos estavam vermelhos, então
apontou-me a arma.
- Você é quem
manda, Cíntia, – falei resignado, enfim aquilo ia acabar – mas vê se faz
direito, faça valer o dinheiro que recebeu de Breno.
- Breno, quem é
Breno? – disse Cíntia.
- Mata ele logo, se
é pra fazer, faça de uma vez, aí a gente pega uns bagulhos e cai fora, esse
cara deve ser mais um desses solitários, ninguém nem vai notar a falta dele –
eu olhei para trás procurando os olhos de Dani, ela então abaixou o gorro,
levantou o queixo e me olhou cinicamente.
- Você vai morrer
cara...
- Vamos atira – Dani
ria, possessa, a arma tremia nas mãos de Cíntia, eu a encarava com coragem,
acho que nunca tive tanta coragem na vida. Num gesto de total demência, eu me
ajoelhei na frente dela, expondo a cabeça, queria que ela visse o alvo e não
errasse.
- Vou te matar –
disse Cíntia.
- Coloca esta
almofada no cano, assim abafa o barulho, já vi isso num filme – Daniela pegou
uma almofada no sofá e deu para Cíntia que a segurou em volta do cano do
revólver. Ajoelhado que estava, eu levantei a cabeça, abri a boca e coloquei a
ponta da arma com a almofada na minha boca, nunca me esquecerei daqueles
segundos, do olhar de Cíntia.
Eu ouvi o gatinho
sendo apertado, mas no exato instante que Cíntia fez isso, ela levantou a arma,
o tiro acertou o teto da casa. Naquele momento tudo o que precisava morrer em
mim morreu, sem que uma gota de sangue fosse derramada.
- Que merda, vamos
embora, depressa, a vizinhança ouviu o barulho - disse Daniela.
Cíntia, arrastada
pela amiga, saiu da sala, ainda ajoelhado eu me virei e vi os olhos dela, ela
não mexeu os lábios, mas eu a ouvi dizendo: “me desculpa, cara, me desculpa”.
Eu me levantei,
olhei para cima, pedaços de massa e de cimento caíam em minha cabeça, fui à
varanda, desci a escada, passei pelo portão, parei no meio da rua. Ninguém, nenhum
vizinho, passante, guarda noturno ou qualquer outro ser da noite apareceu lá
naquele momento, parece que ninguém sequer ouviu o barulho do tiro. Não sei pra
que lado Cíntia e Daniela foram, não as vi na rua. Fechei a casa e saí,
precisava de um café, não de qualquer café, do café de Raimundo, precisava dele
naquele momento.
Estava muito frio,
uma névoa nivelava o mundo exterior com a minha alma, eu não era um homem, mas
um espectro fantasmagórico, poderia atravessar as paredes se quisesse, levitava
sobre aquelas ruas estreitas e úmidas de Itu, a sensação que havia em meu
coração naquele momento foi diferente de tudo o que eu já senti na vida. A caminho
do bar eu passei pela praça, contudo, uma força maior me atraiu para um dos
bancos.
Eu me soltei, com
pernas e braços relaxados e com o rosto inclinado para cima. Então eu ouvi uma
voz, não percebi como e nem quando eles se aproximaram, mas aqueles dois caras
que tinham me alertado sobre os dez encontros estavam lá na minha frente. Agora
quem falava era o outro sujeito, aquele que tinha ficado mais distante na
primeira vez, o que tinha falado comigo agora era o que permanecia calado.
- Morrer não é
fácil – disse-me o homem.
- Não, não é...
- Só se morre
quando não se quer morrer, só se merece a morte quando é vida é desejada, amada
e respeitada mais do que tudo.
- Eu não mereço
morrer...
- Você não pode
morrer, não precisa morrer, não já.
- E o que é que eu
faço então?
- Coragem, veja só
quantas pessoas você conheceu nestas últimas semanas, quantas experiências
diferentes de vida, você acha que essas pessoas não sofrem? Você acha que a dor
delas é menor que a sua? Mas mesmo assim elas têm coragem, coragem de viver, de
sonhar, de lutar.
- Sou um menino
mimado...
- Não, você é um
menino machucado, mas é hora de crescer, abra seus olhos e veja, não, a dor não
vai passar, mas ela pode ser deixada de lado, você pode diminuir o tempo de
senti-la, como? Trabalhando, lutando, e acima de tudo, amando. Você precisa
amar Zé.
- Ninguém me ama...
- Aventure-se, ame,
abra seu coração, queira bem, sonhe com projetos, ponha-os em prática, faça
coisas novas e maiores, em sua profissão, com seu coração, em sua família e com
seus amigos. Seus pais e seu irmão não são os monstros que você acha que são,
são gente, como você, com dores, com feridas, mas que seguem em frente,
tentando e vivendo.
- Eles não me amam!
- Te amam mais do
que você imagina, mas pare de fazer exigências, também não é para fazer
concessões, mas seja mais leve, viva e deixe viver. Volte a conversar com eles,
esqueça o passado, o passado é um chão podre, o que for levantado sobre ele
ruirá. Construa novas relações a partir do zero, do que você e eles são agora.
Recomece e divirta-se com isso, as pessoas, você muda, tudo pode mudar.
No transe que eu me
encontrava, eu nem encarei os dois homens, sabia que eles estavam lá porque
senti, mas assim como eles chegaram, eles se foram. Não soube quem eram, de
onde tinham vindo, como tinham conhecimento da minha vida ou do meu nome.
Confesso que aquela foi a experiência mais sobrenatural que tive, e a tive
naquele momento porque aquela era a única maneira do meu coração ser mudado.
Uma experiência como aquela não tornou a acontecer porque nunca mais foi
necessária.
Levantei-me do
banco, atravessei a praça, peguei à esquerda e fui ao bar. Raimundo me serviu o
melhor café que já tomei em minha vida, não era um café, deveria ser a sopa de Lázaro,
aquela que provavelmente tinham oferecido a ele após ele ter sido ressuscitado
por Jesus. Com certeza Lázaro, depois de quatro dias sepultado, deveria estar
com muita fome.
- Raimundo, já
perguntei uma vez, aquele cara, que tomava café comigo, a gente sempre
conversava aqui no balcão, um cara magro, alto, sempre com jeito de banho
tomado, você não o viu mais? – perguntei ao Rai.
- Meu amigo, sabe,
depois de trabalhar tantos anos neste ramo, a gente aprende a respeitar as
pessoas, principalmente nas madrugadas, quando aparece todo tipo de gente
esquisita. Não, você não é esquisito não, me perdoe, mas se você gosta de
conversar sozinho, eu fico na minha.
- Como assim?
- Você já frequenta
este bar há algum tempo, mas nos últimos meses tem falado sozinho, fala baixo,
não atrapalha ninguém, mas é como dizem, cada um com sua loucura.
- Você não conhece
nenhum Breno?
- Não meu querido,
não conheço.
“Eu devia estar
ficando maluco mesmo”, pensei, “bem, para contratar alguém pra me matar, isso
realmente deveria estar acontecendo”.
Não voltei para
casa naquela noite, voltei, sim, para a praça, sentei-me no mesmo banco que
havia me sentado meia hora antes e fiquei lá, até o sol nascer. Eu, que antes
tinha medo de ver o sol, que tinha medo do dia, que tinha medo da luz, agora
desejava sentir na minha pele o calor gostoso do amanhecer. Era uma
segunda-feira, mas parecia sábado, eu tinha planos, mas o primeiro deles era
agradecer a Deus por estar vivo, nunca senti tanta vontade de me aproximar de
Deus.
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“E Marta disse a Jesus: Senhor, se estivesses
aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, Deus te concederá
tudo quanto lhe pedires. Jesus lhe respondeu: Teu irmão ressuscitará. Disse-lhe
Marta: Sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia. Jesus declarou:
Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, mesmo que morra, viverá; e
todo aquele que vive, e crê em mim, jamais morrerá. Crês nisso? Respondeu-lhe
Marta: Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que devia vir
ao mundo.”
João 11.21-27
“Tentei me matar,
mas não consegui”, acha exagerada essa afirmação? Acha irreal? Acha-se incapaz
de tal ato? Pois todos nós fazemos isso de alguma maneira em nossas vidas, não
explicitamente e nem conscientemente. Esse superego assassino que existe em
todos só pode ser anulado pelo Espírito Santo, quando passa a nos habitar no
momento que nos convertemos a Deus através de Jesus.
Saiba que matamo-nos
quando cultivamos a arte masoquista de colecionar dores, não buscando cura para
nossas feridas emocionais, mas preferindo mantê-las. Pensamos que sem as
feridas nossas vidas perdem o sentido, ficamos sem a missão de sofrer, um
objetivo que achamos que nos valoriza diante de nós mesmos e dos outros.
Matamo-nos quando queremos
pagar altos preços pelas coisas, preços impostos pelos homens, não por Deus. Achamos
que tudo precisa ser comprado com sangue, o nosso sangue, para que possa ser
nosso. Trabalhamos demais, vendemos nossas almas para empresas e instituições,
pagamos promessas para santos e entidades, até levantamos bandeiras de causas
sociais, políticas e ecológicas, achando que com isso tudo é possível acumular
pontos para termos direitos à prosperidade, à espiritualidade e à honra.
Matamo-nos quando
resignamo-nos, nos calamos diante de violências, engolimos sapos de opressões,
fechamos os olhos para a felicidade, colocando-nos como escravos de senhores
cruéis na forma de pais, patrões, autoridades, cônjuges e mesmo sacerdotes.
Matamo-nos quando
aceitamos menos do que aquilo que precisamos, que sonhamos ou que merecemos ter
para sermos felizes. Acomodamo-nos com aquilo que os outros querem para nós e
pensam de nós, e não percebemos que nos matando, matamos também os que estão
próximos. Filhos sofrem com nossos rancores, maridos e esposas morrem calados com
nossas decepções, amigos se afastam com nossas mágoas infindáveis.
Não adianta passar maquiagem
em defuntos, vesti-los com roupas da moda, fazer cirurgias plásticas neles ou
submetê-los a exercícios físicos e regimes alimentares, isso tudo não
ressuscita morto. Que corpo, por mais bem tratado que seja, pode embelezar uma
alma vazia? Só Jesus pode fazer renascer o homem interior, e quando esse revive
tudo o mais se embeleza.
O poder de Deus de
reviver os mortos reside na capacidade que ele tem de perdoar pecados. Nós
também podemos e devemos perdoar os pecados uns dos outros, contudo o perdão de
Deus nos tira da condição de morte para vida e vida eterna.
Mas perdoado de
que, alguns diriam? Só recebe perdão quem tem consciência que precisa dele. Ter
consciência é dizer sim ao toque do Espírito Santo quando esse fala ao coração
que a falta de paz que ele tem é por causa de coisas erradas que faz e que não
foram perdoadas por Deus. É preciso humildade para receber o perdão de Deus e somente
o convertido possui um coração realmente humilde, pois ele escolheu concordar
com o Espírito Santo de Deus, quanto esse disse a ele que ele estava em pecado.
Muitos caminham cheios de moralidade, de religiosidade, mesmo de boas obras,
mas lá no fundo de seus corações ainda não admitiram estarem em pecado, e precisando
de um perdão direto de Deus para serem perdoados. Deus só perdoa de uma
maneira, através de Jesus.
Ir a igrejas, não
perdoa pecados, fazer caridade, não perdoa pecados, ser religioso, não perdoa
pecados, reencarnar, não é possível e muito menos perdoaria os pecados, ter fé,
a maior fé do mundo, ou mesmo a menor e mais sincera, só isso, seja em que for
colocada essa fé, não perdoa pecados. Fé em Jesus, só isso pode perdoar pecados,
e fé do jeito certo, como o único e suficiente salvador. Muitos até respeitam e
seguem a Cristo, como um filósofo, um “espírito evoluído”, como alguns dizem, contudo,
Jesus é muito, muito mais que isso.
Se a vida está no
perdão e o perdão só existe em Jesus, a vida está em Jesus, e somente habitado
pelo Espírito Santo, o selo que é colocado no coração daquele que experimenta o
perdão de Deus através de Cristo, é que estamos realmente e plenamente vivos,
tudo o mais é morte.
Vejo gente bonita,
jovem, estudada, cuidando bem do corpo, em academias e consumindo alimentos
orgânicos e equilibrados, mas ainda assim gente morta. Vejo gente dentro de
igrejas, exercendo ministérios, dentro de conventos e seminários, meditando,
procurando libertação dos instintos básicos da carne, e ainda assim gente
morta. Vejo gente em igrejas evangélicas, operando milagres e expulsando
demônios, gente fazendo sinais e prodígios, mesmo assim, morta.
Vejo, contudo,
gente comum, lutando pela vida, trabalhando, nos campos e nas cidades, em
fábricas e escritórios, gente andando de ônibus e de carro, gente nas ruas, nas
lojas, gente namorando e casando-se, gente criando filhos, festejando o
nascimento de netos, gente que fica doente, que sofre acidentes, gente que
erra, toda essa gente, gente normal, e ainda assim provando o maior de todos os
milagres: a paz do Senhor em seus corações.
Foi por essa gente
que Jesus veio, na maioria, gente pobre, não por terem poucos bens, mas por não
darem a eles valor, por sentirem na adoração de Deus, a maior experiência que
um ser humano pode sentir, por verem na Bíblia, sabedoria e profundidade que
não existe em nenhum outro ensino, por esperarem na volta de Jesus, o
acontecimento mais importante de suas existências.
Essa é a gente que
vive uma vida abundante, uma vida especial, porque vive aquilo, que muitos
podem até chamar de mediocridade, em Deus, com Deus e para Deus, essa gene foi
ressuscitada através de Jesus, essa gente viverá eternamente e nunca provará a
verdadeira morte.
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