18 de set. de 2014

28 - "Raimundo, um café para Lázaro, por favor"

Passava da meia-noite quando acordei com batidas fortes na porta da sala, alguém gritava o nome de Cíntia. 
- Cíntia! Cíntia!
- Dani, o que você está fazendo aqui? – Cíntia abriu a porta da sala e alguém entrou.
- Você sumiu – disse a outra pessoa, era uma moça.
- Estou cuidando da minha vida.
- Eu sei, com um revólver.
- Como você sabe disso, como me achou aqui?
- Sabia que você ia fazer alguma bobagem quando vi o Giva te passando uma arma...
- Como assim?
- Então te segui no sábado e te vi em cima do muro desta casa.
- Cai fora, deixa-me cuidar da minha vida.
- Matando alguém?
- É preciso...
- Cara, isso é mancada, você não vai conseguir se livrar disso fácil depois.
- Eu me viro...
- É, você se vira, é o que você sempre diz, foi assim quando tentou enganar aquele muambeiro.
- Vai embora.
- Vem comigo.
- Ainda não acabei aqui.
- Você já matou o cara?
- Quem te falou isso?
- A Jack.
- Linguaruda, foi ela quem me levou àquele lugar.
- Aquele lugar é fria, nada de bom acontece por lá.
- Eu preciso dar um jeito na minha vida, Dani.
- Eliza?
- Preciso vê-la, não posso viver longe dela.
- A gente arruma um jeito.
- Que jeito? Não temos dinheiro nem pra cigarro, não aguento mais essa vida, com ela tudo vai melhorar.
- Com uma morte na cabeça?
- Quero mais é que eles morram – Cíntia chorava, berrava, andava de um lado para o outro na sala, chutava os móveis. A tal da Daniela parecia ter alguma consciência.
- Se quer grana leva esta TV aqui e vende, deve ter mais coisas na casa...
- Não vou roubar.
- Mas quer matar? Para com isso, você está cheirada.
- Você sabe que eu não transo isso.
- Vamos embora.
- O cara me conhece, já viu meu rosto, e quer saber, foi ele quem contratou o serviço.
- Como assim?
- Ele quer morrer.
- Ele quer morrer? Que idiota, vamos embora, se é isso, ele não vai dar parte de você.
- Comecei com isso e vou até o fim.
- Vai mesmo? Quero ver então, onde ele está?
- No quarto do fundo – Daniela veio até o quarto e o destrancou.
- Sai daí cara – eu a vi, mais baixinha que Cíntia, do tipo atarracada, mas com o mesmo corpo de linhas retas, escondida atrás de um moletom enorme, eu não consegui ver o rosto dela. Fui até a sala e fiquei, entre ela e Cíntia. Olhei para Cíntia, ela estava transtornada.
- Agora você vai morrer cara – ela abaixou o gorro, me encarou, seus olhos estavam vermelhos, então apontou-me a arma.
- Você é quem manda, Cíntia, – falei resignado, enfim aquilo ia acabar – mas vê se faz direito, faça valer o dinheiro que recebeu de Breno.
- Breno, quem é Breno? – disse Cíntia.
- Mata ele logo, se é pra fazer, faça de uma vez, aí a gente pega uns bagulhos e cai fora, esse cara deve ser mais um desses solitários, ninguém nem vai notar a falta dele – eu olhei para trás procurando os olhos de Dani, ela então abaixou o gorro, levantou o queixo e me olhou cinicamente.
- Você vai morrer cara...
- Vamos atira – Dani ria, possessa, a arma tremia nas mãos de Cíntia, eu a encarava com coragem, acho que nunca tive tanta coragem na vida. Num gesto de total demência, eu me ajoelhei na frente dela, expondo a cabeça, queria que ela visse o alvo e não errasse.
- Vou te matar – disse Cíntia.
- Coloca esta almofada no cano, assim abafa o barulho, já vi isso num filme – Daniela pegou uma almofada no sofá e deu para Cíntia que a segurou em volta do cano do revólver. Ajoelhado que estava, eu levantei a cabeça, abri a boca e coloquei a ponta da arma com a almofada na minha boca, nunca me esquecerei daqueles segundos, do olhar de Cíntia.
Eu ouvi o gatinho sendo apertado, mas no exato instante que Cíntia fez isso, ela levantou a arma, o tiro acertou o teto da casa. Naquele momento tudo o que precisava morrer em mim morreu, sem que uma gota de sangue fosse derramada.
- Que merda, vamos embora, depressa, a vizinhança ouviu o barulho - disse Daniela.
Cíntia, arrastada pela amiga, saiu da sala, ainda ajoelhado eu me virei e vi os olhos dela, ela não mexeu os lábios, mas eu a ouvi dizendo: “me desculpa, cara, me desculpa”.
Eu me levantei, olhei para cima, pedaços de massa e de cimento caíam em minha cabeça, fui à varanda, desci a escada, passei pelo portão, parei no meio da rua. Ninguém, nenhum vizinho, passante, guarda noturno ou qualquer outro ser da noite apareceu lá naquele momento, parece que ninguém sequer ouviu o barulho do tiro. Não sei pra que lado Cíntia e Daniela foram, não as vi na rua. Fechei a casa e saí, precisava de um café, não de qualquer café, do café de Raimundo, precisava dele naquele momento.
Estava muito frio, uma névoa nivelava o mundo exterior com a minha alma, eu não era um homem, mas um espectro fantasmagórico, poderia atravessar as paredes se quisesse, levitava sobre aquelas ruas estreitas e úmidas de Itu, a sensação que havia em meu coração naquele momento foi diferente de tudo o que eu já senti na vida. A caminho do bar eu passei pela praça, contudo, uma força maior me atraiu para um dos bancos.
Eu me soltei, com pernas e braços relaxados e com o rosto inclinado para cima. Então eu ouvi uma voz, não percebi como e nem quando eles se aproximaram, mas aqueles dois caras que tinham me alertado sobre os dez encontros estavam lá na minha frente. Agora quem falava era o outro sujeito, aquele que tinha ficado mais distante na primeira vez, o que tinha falado comigo agora era o que permanecia calado.
- Morrer não é fácil – disse-me o homem.
- Não, não é...
- Só se morre quando não se quer morrer, só se merece a morte quando é vida é desejada, amada e respeitada mais do que tudo.
- Eu não mereço morrer...
- Você não pode morrer, não precisa morrer, não já.
- E o que é que eu faço então?
- Coragem, veja só quantas pessoas você conheceu nestas últimas semanas, quantas experiências diferentes de vida, você acha que essas pessoas não sofrem? Você acha que a dor delas é menor que a sua? Mas mesmo assim elas têm coragem, coragem de viver, de sonhar, de lutar.
- Sou um menino mimado...
- Não, você é um menino machucado, mas é hora de crescer, abra seus olhos e veja, não, a dor não vai passar, mas ela pode ser deixada de lado, você pode diminuir o tempo de senti-la, como? Trabalhando, lutando, e acima de tudo, amando. Você precisa amar Zé.
- Ninguém me ama...
- Aventure-se, ame, abra seu coração, queira bem, sonhe com projetos, ponha-os em prática, faça coisas novas e maiores, em sua profissão, com seu coração, em sua família e com seus amigos. Seus pais e seu irmão não são os monstros que você acha que são, são gente, como você, com dores, com feridas, mas que seguem em frente, tentando e vivendo.
- Eles não me amam!
- Te amam mais do que você imagina, mas pare de fazer exigências, também não é para fazer concessões, mas seja mais leve, viva e deixe viver. Volte a conversar com eles, esqueça o passado, o passado é um chão podre, o que for levantado sobre ele ruirá. Construa novas relações a partir do zero, do que você e eles são agora. Recomece e divirta-se com isso, as pessoas, você muda, tudo pode mudar.
No transe que eu me encontrava, eu nem encarei os dois homens, sabia que eles estavam lá porque senti, mas assim como eles chegaram, eles se foram. Não soube quem eram, de onde tinham vindo, como tinham conhecimento da minha vida ou do meu nome. Confesso que aquela foi a experiência mais sobrenatural que tive, e a tive naquele momento porque aquela era a única maneira do meu coração ser mudado. Uma experiência como aquela não tornou a acontecer porque nunca mais foi necessária.
Levantei-me do banco, atravessei a praça, peguei à esquerda e fui ao bar. Raimundo me serviu o melhor café que já tomei em minha vida, não era um café, deveria ser a sopa de Lázaro, aquela que provavelmente tinham oferecido a ele após ele ter sido ressuscitado por Jesus. Com certeza Lázaro, depois de quatro dias sepultado, deveria estar com muita fome.
- Raimundo, já perguntei uma vez, aquele cara, que tomava café comigo, a gente sempre conversava aqui no balcão, um cara magro, alto, sempre com jeito de banho tomado, você não o viu mais? – perguntei ao Rai.
- Meu amigo, sabe, depois de trabalhar tantos anos neste ramo, a gente aprende a respeitar as pessoas, principalmente nas madrugadas, quando aparece todo tipo de gente esquisita. Não, você não é esquisito não, me perdoe, mas se você gosta de conversar sozinho, eu fico na minha.
- Como assim?
- Você já frequenta este bar há algum tempo, mas nos últimos meses tem falado sozinho, fala baixo, não atrapalha ninguém, mas é como dizem, cada um com sua loucura.
- Você não conhece nenhum Breno?
- Não meu querido, não conheço.
“Eu devia estar ficando maluco mesmo”, pensei, “bem, para contratar alguém pra me matar, isso realmente deveria estar acontecendo”.
Não voltei para casa naquela noite, voltei, sim, para a praça, sentei-me no mesmo banco que havia me sentado meia hora antes e fiquei lá, até o sol nascer. Eu, que antes tinha medo de ver o sol, que tinha medo do dia, que tinha medo da luz, agora desejava sentir na minha pele o calor gostoso do amanhecer. Era uma segunda-feira, mas parecia sábado, eu tinha planos, mas o primeiro deles era agradecer a Deus por estar vivo, nunca senti tanta vontade de me aproximar de Deus.

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E Marta disse a Jesus: Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, Deus te concederá tudo quanto lhe pedires. Jesus lhe respondeu: Teu irmão ressuscitará. Disse-lhe Marta: Sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia. Jesus declarou: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, mesmo que morra, viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, jamais morrerá. Crês nisso? Respondeu-lhe Marta: Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que devia vir ao mundo.
João 11.21-27

“Tentei me matar, mas não consegui”, acha exagerada essa afirmação? Acha irreal? Acha-se incapaz de tal ato? Pois todos nós fazemos isso de alguma maneira em nossas vidas, não explicitamente e nem conscientemente. Esse superego assassino que existe em todos só pode ser anulado pelo Espírito Santo, quando passa a nos habitar no momento que nos convertemos a Deus através de Jesus.
Saiba que matamo-nos quando cultivamos a arte masoquista de colecionar dores, não buscando cura para nossas feridas emocionais, mas preferindo mantê-las. Pensamos que sem as feridas nossas vidas perdem o sentido, ficamos sem a missão de sofrer, um objetivo que achamos que nos valoriza diante de nós mesmos e dos outros.
Matamo-nos quando queremos pagar altos preços pelas coisas, preços impostos pelos homens, não por Deus. Achamos que tudo precisa ser comprado com sangue, o nosso sangue, para que possa ser nosso. Trabalhamos demais, vendemos nossas almas para empresas e instituições, pagamos promessas para santos e entidades, até levantamos bandeiras de causas sociais, políticas e ecológicas, achando que com isso tudo é possível acumular pontos para termos direitos à prosperidade, à espiritualidade e à honra.
Matamo-nos quando resignamo-nos, nos calamos diante de violências, engolimos sapos de opressões, fechamos os olhos para a felicidade, colocando-nos como escravos de senhores cruéis na forma de pais, patrões, autoridades, cônjuges e mesmo sacerdotes.
Matamo-nos quando aceitamos menos do que aquilo que precisamos, que sonhamos ou que merecemos ter para sermos felizes. Acomodamo-nos com aquilo que os outros querem para nós e pensam de nós, e não percebemos que nos matando, matamos também os que estão próximos. Filhos sofrem com nossos rancores, maridos e esposas morrem calados com nossas decepções, amigos se afastam com nossas mágoas infindáveis.
Não adianta passar maquiagem em defuntos, vesti-los com roupas da moda, fazer cirurgias plásticas neles ou submetê-los a exercícios físicos e regimes alimentares, isso tudo não ressuscita morto. Que corpo, por mais bem tratado que seja, pode embelezar uma alma vazia? Só Jesus pode fazer renascer o homem interior, e quando esse revive tudo o mais se embeleza.
O poder de Deus de reviver os mortos reside na capacidade que ele tem de perdoar pecados. Nós também podemos e devemos perdoar os pecados uns dos outros, contudo o perdão de Deus nos tira da condição de morte para vida e vida eterna.
Mas perdoado de que, alguns diriam? Só recebe perdão quem tem consciência que precisa dele. Ter consciência é dizer sim ao toque do Espírito Santo quando esse fala ao coração que a falta de paz que ele tem é por causa de coisas erradas que faz e que não foram perdoadas por Deus. É preciso humildade para receber o perdão de Deus e somente o convertido possui um coração realmente humilde, pois ele escolheu concordar com o Espírito Santo de Deus, quanto esse disse a ele que ele estava em pecado. Muitos caminham cheios de moralidade, de religiosidade, mesmo de boas obras, mas lá no fundo de seus corações ainda não admitiram estarem em pecado, e precisando de um perdão direto de Deus para serem perdoados. Deus só perdoa de uma maneira, através de Jesus.
Ir a igrejas, não perdoa pecados, fazer caridade, não perdoa pecados, ser religioso, não perdoa pecados, reencarnar, não é possível e muito menos perdoaria os pecados, ter fé, a maior fé do mundo, ou mesmo a menor e mais sincera, só isso, seja em que for colocada essa fé, não perdoa pecados. Fé em Jesus, só isso pode perdoar pecados, e fé do jeito certo, como o único e suficiente salvador. Muitos até respeitam e seguem a Cristo, como um filósofo, um “espírito evoluído”, como alguns dizem, contudo, Jesus é muito, muito mais que isso.
Se a vida está no perdão e o perdão só existe em Jesus, a vida está em Jesus, e somente habitado pelo Espírito Santo, o selo que é colocado no coração daquele que experimenta o perdão de Deus através de Cristo, é que estamos realmente e plenamente vivos, tudo o mais é morte.
Vejo gente bonita, jovem, estudada, cuidando bem do corpo, em academias e consumindo alimentos orgânicos e equilibrados, mas ainda assim gente morta. Vejo gente dentro de igrejas, exercendo ministérios, dentro de conventos e seminários, meditando, procurando libertação dos instintos básicos da carne, e ainda assim gente morta. Vejo gente em igrejas evangélicas, operando milagres e expulsando demônios, gente fazendo sinais e prodígios, mesmo assim, morta.
Vejo, contudo, gente comum, lutando pela vida, trabalhando, nos campos e nas cidades, em fábricas e escritórios, gente andando de ônibus e de carro, gente nas ruas, nas lojas, gente namorando e casando-se, gente criando filhos, festejando o nascimento de netos, gente que fica doente, que sofre acidentes, gente que erra, toda essa gente, gente normal, e ainda assim provando o maior de todos os milagres: a paz do Senhor em seus corações.
Foi por essa gente que Jesus veio, na maioria, gente pobre, não por terem poucos bens, mas por não darem a eles valor, por sentirem na adoração de Deus, a maior experiência que um ser humano pode sentir, por verem na Bíblia, sabedoria e profundidade que não existe em nenhum outro ensino, por esperarem na volta de Jesus, o acontecimento mais importante de suas existências.
Essa é a gente que vive uma vida abundante, uma vida especial, porque vive aquilo, que muitos podem até chamar de mediocridade, em Deus, com Deus e para Deus, essa gene foi ressuscitada através de Jesus, essa gente viverá eternamente e nunca provará a verdadeira morte.

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